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- Sobre aborto
Postado por: Clínica de Direitos Humanos UFPR
julho 29, 2017
O aborto é um tabu e muitas dúvidas estão ao redor dele. Para esclarece-las, o site Think Olga criou um FAQ completo e muito interessante sobre o tema. Para acessar o link original, só clicar aqui.
FAQ sobre o aborto: tudo que você deveria saber a respeito
Há muita nebulosidade em torno do tema aborto. Muitas
pessoas nem sequer o reconhecem pelo nome: chamam de “desmenstruar” ou “tirar”.
Ao mesmo tempo, é um assunto urgente relacionado à saúde da mulher e que
provoca fortes reações entre os brasileiros — a enquete do Senado sobre a legalização
do aborto é a terceira mais popular enquete do site. Aproveitando que estamos
na semana do dia Latino-Americano e Caribenho pela Descriminalização do Aborto
(28 de setembro), a Anis – Instituto de Bioética, em parceria com a Think Olga,
preparou um compilado com as perguntas mais comuns e importantes a respeito do
assunto. Saiba mais:
O que é o aborto?
Aborto não é um termo simples de definir, porque ao mesmo
tempo é um conceito médico, penal e também moral. Do ponto de vista médico,
significa a interrupção de uma gestação. Por vezes, é um procedimento médico de
tamanha importância que pode ser a única maneira de salvar a vida de uma mulher
em risco — isso explica por que é uma necessidade de saúde e um cuidado médico.
Do ponto de vista legal, o aborto está definido no Código
Penal, no título de crimes contra a pessoa e capítulo de crimes contra a vida.
Ou seja, é em regra um crime, a não ser nas três situações em que não é
penalizado: se for a única maneira de salvar a vida da mulher, se a gestação
for resultante de um estupro ou se o feto for diagnosticado com anencefalia. Do
ponto de vista moral, é uma questão que causa intensa controvérsia, por ser
definido por alguns códigos religiosos como um pecado ou uma grave ofensa a
princípios de fé. Assim, não há uma resposta única para definir o que é aborto,
depende de qual perspectiva você venha a assumir.
A partir de que momento podemos falar em gestação?
Não há um consenso sobre quando se pode falar em início de
uma gestação. Em termos estritamente biológicos, a gestação para alguns tem
início na fecundação, para outros tem início na nidação, quando esse conjunto
de células se acomoda na parede do útero para se desenvolver. O que isso
significa? Que a biologia tem diferentes estágios para dizer quando começa a
gestação, e as várias respostas a essa pergunta não resolvem a discussão sobre
proteção de direitos.
Qual é a diferença entre embrião e feto?
É uma diferença sobre estágios de desenvolvimento. A
discussão sobre essa diferença foi um debate muito importante em um momento no
Brasil em que se discutia sobre o uso de tecnologias reprodutivas, como
fertilização in vitro, e pesquisas com células tronco. Embrião foi definido
como o conjunto de células que se forma após a concepção, estágio que dura algumas
semanas, após o qual passa a ser denominado feto, até o fim da gestação. Mas,
novamente, não podemos confundir a definição biológica sobre fases de
desenvolvimento celular e o debate sobre garantias de direitos, porque a
biologia, com essas classificações, não responde às nossas maiores inquietações
morais e legais sobre aborto.
A vida começa na concepção?
Essa não é uma discussão que a ciência responda. É verdade
que na concepção há a individualização do desenvolvimento celular de um
possível futuro organismo, mas esse fenômeno depende de uma atividade vital
anterior, com o encontro de células que também estão vivas, como o óvulo e o
espermatozóide. Ou seja, a biologia não nos fornece um marco que possa
responder à controvérsia moral sobre o aborto.
Se formos buscar a resposta nas leis brasileiras,
concluiremos que não, já que a Constituição Federal fala em proteger a vida,
mas não fala que a vida começa na concepção. Tanto é assim que já existem
hipóteses legais para realização de um aborto, que não são consideradas
inconstitucionais. Mas é importante lembrar sempre que essa é uma resposta
normativa para garantia de direitos: as pessoas são livres para acreditar que o
desenvolvimento celular de uma futura pessoa possa começar na concepção, mas
isso não nos permite conclusões sobre garantias jurídicas ou mesmo sobre a
proibição do aborto.
Aborto é infanticídio?
Não. Há sentidos sociais e penais distintos para cada uma
dessas práticas. Aborto é a interrupção de uma gestação, infanticídio é o
homicídio de uma criança. No Código Penal hoje vigente no país, há diferenças
ainda mais específicas: infanticídio não é o homicídio de qualquer criança nem
por qualquer pessoa, é o crime cometido por uma mulher contra o próprio filho,
durante o parto ou logo após. Já o aborto é criminalizado se for cometido pela
própria grávida ou por outra pessoa, com ou sem o seu consentimento.
Quais são os tipos de aborto?
A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica dois métodos
seguros: o aborto com medicamentos e o aborto por procedimento médico,
realizado em unidades de saúde com equipamentos específicos. No Brasil, podemos
dizer que há ainda um terceiro tipo, que é o aborto inseguro: aquele realizado
pelas mulheres na ilegalidade, com medicamentos desconhecidos e de qualidade
duvidosa, em clínicas ilegais ou ainda sozinhas com agulhas de crochê e outros
meios precários e perigosos à sua vida.
O aborto é um procedimento seguro?
Sim, se realizado em condições legais e conforme as regras
de cuidado em saúde. É um procedimento tão seguro que a Organização Mundial da
Saúde reconhece que o aborto por medicamentos, nas primeiras semanas de
gestação, pode ser realizado pela própria mulher, em casa, sem a presença de
médicos ou enfermeiros. Quando realizado em uma unidade de saúde, recomenda-se
repouso de apenas 30 minutos, após o qual a mulher pode voltar às suas
atividades normais, caso se sinta bem para isso.
Como é o procedimento do aborto?
Depende da situação da mulher. Uma mulher que realize a
interrupção da gestação no início, esteja bem de saúde, informada e
esclarecida, pode fazer o aborto com medicamentos e sozinha, por via oral ou
introduzindo na vagina doses repetidas do medicamento indicado. Caso suas
condições de saúde não permitam, o mesmo procedimento pode ser realizado em uma
unidade de saúde, com acompanhamento médico. Já no aborto por procedimento
médico, se faz a retirada do conteúdo uterino com um pequeno aparelho de
aspiração a vácuo, manejado por um médico.
Quais são os riscos do aborto?
De acordo com a OMS, para os procedimentos recomendados,
complicações são extremamente raras e o risco de morte é insignificante. O
principal risco do aborto é a ilegalidade: são as mulheres expostas aos métodos
inseguros da clandestinidade que sofrem os maiores riscos.
Abortar dói?
Se realizado em condições seguras e conforme as
recomendações da OMS, as dores que uma mulher pode enfrentar são semelhantes às
dores da cólica menstrual, e podem ser amenizadas com o uso de analgésicos. Ou
seja, não são dores muito diferentes daquelas que as mulheres já estão
acostumadas em seu cotidiano. Mas é claro que a dor é dependente do acesso das
mulheres à informação e aos métodos legais. Os métodos inseguros e clandestinos
podem ser dolorosos e ameaçar a saúde.
Quantos abortos acontecem por ano no Brasil? É comum?
Sim, o aborto é um evento comum na vida reprodutiva das
mulheres. Precisamos lembrar quem são aquelas que abortam: mulheres comuns, em
geral casadas, que já têm filhos e declaram seguir uma fé cristã, segundo a
Pesquisa Nacional do Aborto, desenvolvida pela Anis – Instituto de Bioética. E
são milhares: 1 em cada 5 mulheres até os 40 anos no Brasil. Podem ser a irmã,
a avó, a vizinha, a professora, a manicure ou a médica. E este é ainda um
número subestimado, porque, em um contexto de criminalização, as mulheres ainda
têm muitos motivos para mentir e omitir sua experiência de aborto em uma
pesquisa. A certeza é de que é, sem dúvida, um fato comum.
O que acontece com a mulher após o aborto?
Se ela não for denunciada, nada. Ela pode talvez viver a
vida amedrontada, porque a lei penal a ameaça com prisão de 1 a 3 anos caso
seja descoberta. Mas nos países em que o aborto é legalizado, as mulheres
simplesmente seguem com as suas vidas e suas decisões.
Em que casos é permitido abortar?
Em três casos: caso seja a única maneira de salvar a vida da
mulher, caso a mulher tenha engravidado em decorrência de um estupro ou caso a
mulher esteja grávida de um feto com anencefalia.
É simples conseguir um aborto nos casos permitidos por lei?
O Censo do Aborto Legal, realizado pela Anis – Instituto de
Bioética, mostrou que, em todo o país, existem apenas 37 serviços que realizam
o aborto em caso de gravidez decorrente de estupro; 30 declararam realizar o
aborto em caso de anencefalia e 27 declararam fazê-lo em caso de risco de morte
para a mulher. Em 7 estados do país, não há nenhum serviço em atividade e em
apenas 4 estados há serviços fora das capitais. Mesmo nas localidades onde há o
serviço, as mulheres ainda enfrentam intensas barreiras morais e religiosas
para serem atendidas. Por isso, não, não é simples conseguir um aborto nem
mesmo nos casos permitidos em lei.
Uma mulher comete um crime ao dizer que fez um aborto?
Uma mulher não deve dizer que fez um aborto em público,
porque ela corre o risco de ser denunciada. Dizer que cometeu um aborto é
confessar um crime, o que pode gerar investigação policial e penal. O conselho
é sempre que não se diga, a não ser que se faça uma ampla discussão e debate
sobre o tema, em que várias mulheres decidam contar suas histórias como forma
de resistência política.
O que significa legalizar o aborto?
Significa que as mulheres não vão para a cadeia por terem
feito um aborto. Nenhuma mulher será obrigada a fazer um aborto caso o
procedimento seja legalizado, mas aquelas que o fizerem não serão presas.
Por que o assunto é tão tabu?
Porque diz respeito ao controle da reprodução, ou seja,
falar em aborto é falar sobre o controle das famílias, um tema que é central
para muitas religiões, e por isso gera tanta controvérsia moral. Mas é
importante lembrar que o aborto nem sempre foi condenado pela Igreja Católica,
por exemplo. Da mesma maneira que o tema se transformou em tabu em um momento
histórico, podemos também nos esforçar para colocá-lo em um outro tipo de
debate: trazendo as mulheres e suas necessidades de saúde para o centro da discussão,
e debatendo abertamente sobre direitos.
Por que o feminismo considera o aborto um direito da mulher?
Porque todo o processo que diz respeito à gravidez e ao
parto ocorre nos corpos das mulheres. Assim, não há como não escutá-las sem
fazer disso uma grave violação de direitos. Colocar a questão nesses termos é
assumir que o debate sobre o aborto não é só uma demanda feminista, é uma
demanda de quem quer que reconheça que as pessoas afetadas pelas leis devem
fazer parte de sua formulação. Apenas uma mulher pode dizer sobre o que é tomar
uma decisão tão íntima e crucial em sua vida, como a de gestar ou não um futuro
filho. Não há outro caminho em uma democracia laica a não ser o de ouvir as
mulheres nesse tema.
Por que as mulheres abortam?
As mulheres abortam porque em determinadas circunstâncias
chegam à conclusão de que aquele não é o momento para uma gravidez e para um
filho. Quando abortam, as mulheres sabem o que estão fazendo, elas tomam uma
decisão baseada em suas necessidades e experiências. E nós sabemos quem são
elas: são mulheres que já são mães e sabem o que é preciso para cuidar de uma
criança, que são casadas e têm uma família, que acreditam em uma fé para
decisões importantes da vida. As razões que essas mulheres enfrentam para decidir
por um aborto são singulares e íntimas e só devem ser enfrentadas por elas
mesmas.
Por que as mulheres ainda engravidam sem querer apesar da
disposição de contraceptivos e camisinha?
Primeiro, porque os métodos falham. Segundo, porque se
acredita que cabe apenas às mulheres e não aos homens planejar a reprodução, o
que impede que o aprendizado sobre a prevenção seja conjunto e compartilhado.
Terceiro, porque nem todas as mulheres têm acesso à informação e acesso aos
métodos de contracepção. Quarto, porque quanto ao uso de métodos como a
camisinha, as mulheres precisam negociar seu uso com os homens, o que é negado
por muitos. Quinto, porque o uso de vários métodos exige uma disciplina a longo
prazo que é muito difícil de ser mantida, especialmente se não falarmos sobre
educação sexual nas escolas, com amplo acesso à informação e ao debate sobre
sexualidade.
Por que não ter o filho e dar para adoção em vez de abortar?
Porque se a gravidez é obrigatória, se impõe que essa mulher
experimente a barriga crescer, o corpo modificar e dar a luz, se constituindo
socialmente como uma mulher que é mãe e que será questionada sobre a criança
nascida. Não é possível conceber a mulher apenas como um repositório de
gravidez: não é simples passar pela gestação de um futuro bebê que não se vai
maternar, e essa pode ser uma experiência de intenso sofrimento às mulheres.
Esse é mais um motivo pelo qual é preciso ouvir as mulheres se queremos falar
sobre decisões reprodutivas.
Se o aborto for legalizado, as mulheres vão ser obrigadas a
abortar?
Não. Pela legislação atual, as mulheres são obrigadas a
manter uma gestação em quase qualquer circunstância, mas, se o aborto for
legalizado, não haverá uma obrigação oposta. A única coisa que haverá é a
possibilidade de escolher prosseguir ou não com a gestação, conforme o que se
considere melhor para sua vida e saúde.
É verdade que, onde o aborto foi legalizado, a prática se
tornou menos comum, ou seja, o número de abortos realizados caiu?
Sim, e por uma questão muito simples. Uma vez que o aborto é
legalizado, as mulheres passam a ser atendidas na rede oficial de saúde e
passam a poder ser melhor informadas sobre contraceptivos e planejamento
familiar, que são procedimentos incluídos no procedimento de cuidado ao aborto.
É no atendimento a essas mulheres que é possível conhecer melhor quais são as
falhas da política de saúde para melhor corrigi-las, e assim atuar com mais
eficácia na prevenção às gestações indesejadas, ao mesmo tempo em que não se
deixa de garantir o aborto como um direito.
O que uma conversa sobre “ideologia de gênero” tem a ver com
aborto?
Quem acredita que falar sobre sexualidade e gênero nas
escolas é “ideologia” rejeita que se ensine adequadamente sobre reprodução,
planejamento familiar, métodos contraceptivos, formas de combate à violência e
prevenção a doenças ou gestações indesejadas. Falar sobre tudo isso é um dos
caminhos para fazer com que o aborto seja um procedimento cada vez menos
necessário, uma vez que se possa fazer uma forte aposta em acesso à informação
e prevenção. Curiosamente, a conclusão lógica é que todos que defendem
políticas eficazes para redução do número de abortos deveriam ser ferrenhos
partidários da educação sexual nas escolas — o que é exatamente o contrário do
debate que temos visto.